segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Minha sogra e as telecomunicações.

Minha sogra nunca teve confortável situação financeira. Divorciada e com dois filhos para criar, o dinheiro era contado e os supérfluos poucos e controlados.

Mas nada do que poderia ser considerado primordial deixou de ser comprado. Minha sogra é dessas pessoas que muito se esmeram no trabalho e nunca poupou esforços para que algo faltasse em casa e na educação dos filhos. Sem luxo, logicamente, dentro do possível.

Como então, na década de 80, poderia minha sogra, pessoa com poucas posses, possuir um telefone? Antes da privatização, comprar uma linha custava, no Rio de Janeiro, mais de R$5000. Muito dinheiro para a maioria da população naquela época.

Mas ter um telefone era muito importante. Fosse para receber ligações de trabalho, dos colegas de sala dos filhos ou emergências de qualquer natureza. A opção para as famílias que não tinham recursos à vista era entrar para o plano de expansão da antiga Telerj.

Este plano era um absurdo em relação ao código do consumidor, em vigor apenas a partir da década de 90. O cliente pagava uma parcela mensal alta, que hoje seria algo em torno de R$300, por mais de dois anos. Não recebia o telefone tão cedo, mesmo ao término do pagamento, pois a linha só seria instalada quando houvesse possibilidade técnica.

Na época das centrais telefônicas mecânicas estas possibilidades técnicas não eram muitas. Hoje uma operadora pode instalar mais de 1000 telefones sem se preocupar com custos adicionais. Sistemas de multiplex digital, disponíveis atualmente, podem colocar vários assinantes em apenas um par metálico. Naquela época, 1000 telefones necessitavam de novos equipamentos, quilômetros de cabos e investimentos.

Minha sogra então fez um esforço e como de costume pagou religiosamente todas as parcelas do plano de expansão. O telefone só seria instalado anos depois... Lógico que tudo isso valeu a pena, pois a casa poderia ter finalmente um telefone, tendo apenas que pagar a conta no fim do mês, o que não seria um problema.

No mundo das telecomunicações pré-privatização, depois de pagas as inúmeras parcelas para aquisição da linha telefônica, a conta mensal em si era bastante barata mesmo para as famílias de baixo poder aquisitivo. Com utilização controlada, o pagamento mensal não era muito maior que alguns reais. Com uma nota de R$5 dava para pagar e ainda tinha troco!

Com o modelo de privatização executado por FHC, cada empresa ficou com o monopólio de telefonia fixa em cada estado. Telerj passou a se chamar Telemar, e agora chama-se OI. A população estava para conhecer o monopólio privado, que se mostraria muito pior que o controle estatal.

Com a privatização, a conta de telefone, que antes não passava de R$5 em 1994, foi aumentando gradativamente, muito além da inflação, para algo em torno de R$60 agora em 2008. Diversas famílias não podem pagar esta quantia absurda apenas para ter um aparelho fixo funcionando em casa.

Dessa forma, houve um retrocesso no tempo. Está certo que podemos agora ter telefone muito rapidamente, em alguns dias. No entanto o valor mensal que é cobrado pela tecnologia ultrapassada é absurdo. Com uma conta de R$100, que não é nada de anormal nos dias de hoje, pagaremos, em cinco anos, o valor que o telefone custava na época das centrais mecânicas, e não teremos direito a contas baratas e nem mesmo a posse de ações da empresa.

Ficaremos eternamente no plano de expansão da Telerj e eles não precisam mais nos dar desculpas de impossibilidade técnica. A roubalheira foi legalizada, a privatização nos tornou ainda mais obsoletos do que éramos.

Mas voltando a minha sogra. Recentemente, por um erro que a operadora não admite, não corrige e não se importa, a conta da OI passou de R$100 reais! Por que ela deveria continuar a pagar por um serviço que usa basicamente apenas para receber chamadas? O celular também servirá a este propósito, e deve-se apenas colocar R$20 reais de crédito de 3 em 3 meses para não perder o número.

Então o antigo telefone do plano de expansão foi infelizmente cancelado, depois de tanto esforço. O problema não foi apenas a conta mensal, que está exorbitante em relação ao simplório serviço oferecido. O atendimento e a qualidade é tão ruim quanto na década de 80, ou ainda pior! Não se dá a mínima para o cliente, e isso tem fácil explicação.

Mesmo com preços altos, a OI atualmente é a mais barata operadora de telefonia fixa, ou seja, todas as outras são ainda piores. A privatização afastou o telefone das classes de renda mais baixa, piorou o atendimento e só não piorou totalmente o serviço pois a tecnologia tornou tudo mais simples e viável.

A classe A e B pode agora ter telefones ao estalar dos dedos. Pode ter internet banda larga, conta de celular integrada ao telefone fixo, identificador de chamadas, chamada em espera e outros serviços. No entanto, para a maioria da população, assim como minha sogra, o telefone fixo fica muito caro e distante.

Por um lado demos acesso rápido e fácil ao serviço de telefone fixo para as classes ricas, que no fundo quase não o usam, pois a maioria tem planos de celular com muitos minutos. Em contrapartida, classes com renda mais baixa não conseguem pagar a conta, e preferem ter um celular de cartão, usado apenas para receber ligações e fazer chamadas de emergência.

Onde está o telefone de tarifa popular que foi prometido? Onde está a Anatel que deveria regular estes absurdos? Temos que aproveitar a onda de estatizações provocada pela crise mundial e interferir na privatização absurda feita nas telecomunicações brasileiras. Temos que acabar com a telefonia fixa elitizada que faz com que a maioria da população more na década de 80 da telefonia, enquanto outras desfrutam da tecnologia.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Criança Esperança - Ter um amigo?

Milhões de informações malucas circulam na internet sobre a campanha anual da rede Globo conhecida como Criança Esperança (CE). Os boatos são tão freqüentes que recentemente a própria Globo resolveu incluir em seu discurso que as "doações ao CE são depositadas diretamente na conta da Unesco". Há também muitas propagandas veiculadas em horário nobre que tentam mostrar a idoneidade da instituição e dos programas assistenciais.

O que quero questionar é que a Unesco é uma organização internacional, e isso que significa que a administração dos recursos oriundos do CE é feita por interventores nomeados pela Globo e pela própria Unesco. Por que deveríamos confiar nestas pessoas?

Não é a honestidade que eu coloco em foco, é adequação às nossas necessidades. Por que precisamos de uma ONG internacional para indicar projetos e propostas, ou seja, para administrar nosso dinheiro no nosso próprio país. Que recado o Brasil passa para o resto do mundo? Ineficiência, incapacidade, burrice?

As pessoas fazem as doações sem parar para pensar que estes mesmos recursos poderiam ser gerenciados pelo governo e aplicados em educação, saúde e habitação. Poderiam ir para as regiões que realmente precisam, de acordo com a forma que a gente achar melhor. A Globo não é governo e não tem autoridade para decidir o que é melhor para o povo, muito menos a Unesco.

Além disso, muitas dúvidas surgem e mostram a falta de transparência do Criança Esperança. Quais critérios são adotados para escolher um projeto em detrimento de outro? Como garantir que os recursos sejam aplicados de forma a realmente promover o bem estar social, não apenas uma maquiagem assistencialista para aparecer na TV?

Se o governo recebesse estas doações também poderia fazer assistencialismo eleitoral, sem dúvida, mas pelo menos a sociedade brasileira teria participação no processo de escolha do emprego dos recursos. Vereadores, Senadores, Prefeitos e Governadores são eleitos pelo Povo, e representam sua vontade. Quem não estiver satisfeito com a forma com que o dinheiro público está sendo investido pode encher as caixas de e-mail de políticos e partidos, pode fazer manifestações, escrever em blogs na internet e até mesmo votar em outros que melhor alinhem-se com sua ideologia. A eleição é o momento em que eu escolho quais políticos representarão minha vontade nos próximos anos.

Voltando ao CE, Segundo esta página, os projetos são escolhidos através de uma comissão de especialistas, os tais interventores, da Unesco e da TV Globo. Ou seja, estas pessoas elegeram a si mesmas representantes do povo e administrarão recursos doados da forma como melhor convir. Que absurdo! Quem faz doação deve pensar nisso, pois é com este dinheiro que a Globo e estas pessoas estão querendo agir como o governo, escolhendo quem merece ser agraciado com recursos.

Na minha opinião, se o Criança Esperança tem realmente boas intenções deve abrir suas contas e responder com transparência e honestidade as seguintes perguntas:

- As propagandas que patrocinam os shows são pagas? Este dinheiro é depositado em sua totalidade nas doações? Qual o valor?

- Os artistas recebem ou pagam para aparecer? Para onde vai ou de onde vem estes recursos? Qual o valor?

- Os técnicos e profissionais recebem normalmente, incluindo horas extras? Se sim, quem paga estes custos? As Doações, a Unesco ou a Globo? Qual o valor?

- A Globo debita algo no seu imposto de renda? As doações, o custo do show, o tempo de programação, o custo com funcionários?

- A Globo fica com alguma parte das doações, da propaganda ou qualquer outra parte para cobrir seus custos? Se fica, quanto?

- Qual o salário dos Especialistas da Unesco e da TV Globo? Quanto ganham coordenadores, colaboradores, consultores e principalmente aqueles que julgam os projetos? Quem paga estes salários? A Globo, as doações ou a Unesco? Qual o valor?

Ninguém sabe nada disso. Há muito menos transparência no Criança Esperança que na maioria dos projetos e licitações do governo. Acho que é dever da emissora tornar isso mais claro para seus doadores. Se quer fazer política social como se fosse governo, então tem que fazer com transparência. É um direito de quem está fazendo as doações!

Não tem gente que se irrita quando lembra que o povo paga mais de 10 mil reais de salário para um senador? Será que alguma parte das doações é paga para diretores, interventores, colaboradores ou alguém mais da Globo ou da Unesco? Quero saber isso!

Tem que dar exemplo, não é mesmo? Se possui um jornalismo que tanto cobra do governo por seriedade, por uso honesto e não-eleitoreiro do dinheiro público então o mínimo que se espera é que tenha este mesmo ímpeto para responder todos os boatos que existem, e tornar o Criança Esperança mais respeitoso com seus milhões de doadores.

Como diz a música, "na vida é tão bom ter amigos"! Não tenho dúvida disso, mas desconfio que desta forma somos mais amigos da Globo do que de quem precisa...

terça-feira, 20 de maio de 2008

Regularizar já a propaganda de bebidas

Quem tem mais de 20 anos de idade, talvez 30, lembra bem as peripécias da indústria do marketing de cigarros. Uma coletânea dos comerciais de Hollywood, como a mostrada abaixo, deve ter incentivado o vício por muitas gerações.



Não há dúvida de que a propaganda estimulava o consumo. Os comerciais, como os de Hollywood, conseguiam associar o cigarro a uma vida de aventuras e alegrias. Outros, como o Free, alegavam que o produto elevaria o status cultural do consumidor.



Mas tudo isso era mentira! Ninguém que fizesse uso destes produtos teria sua vida semelhante à estes comerciais. Se era enganação, então como dava certo? Como convenciam o grande público com um argumento tão desvinculado à realidade?

Propagandas sub-liminares à parte, o grande mérito dos comerciais de cigarro, que eram muito bem produzidos, era tentar dar a impressão de que o produto poderia suprir necessidades de pessoas com problemas de confiança, auto-afirmação e auto-estima.

Os jovens, logicamente, eram o público alvo destes comerciais. Todos os atores de ambas as peças apresentadas têm perto dos 20 anos. Quem tem (ou teve) esta idade sabe que auto-afirmação é o que o adolescente mais busca, usando o cigarro como muletas.

O governo, frente aos grandes custos de saúde causados pelo tabaco, não teve dúvidas em acabar com as propagandas. O jovem, não vendo os anúncios, procurará outros meios de buscar auto-estima. A proibição não foi ruim, o cigarro causa vários tipos de câncer, enfisema e outras doenças.

Na minha opinião, a busca por auto-confiança dos jovens está hoje centrada no consumo de bebidas alcoólicas. Pior mudança não poderia ter havido. Enquanto o cigarro mata com o passar dos anos, a cerveja, por exemplo, causa grandes efeitos nocivos à saúde e ainda aumenta muito o risco imediato de acidentes, brigas e confusões.

Acho que nada impedirá o jovem estimulado por propagandas a consumir estes produtos. Você, caro leitor, se tivesse esta idade e fosse convidado à uma festinha regada à cerveja, recusaria o convite caso tivesse que pegar uma "inofensiva" carona com alguém "levemente" alcoolizado? E se nesta festa estivesse presente aquela menina(o) que você tanto gosta? Dúvida cruel?

O aumento do consumo de bebidas alcoólicas pelos jovens está associado ao mesmo tipo de estratégia aplicada aos antigos comerciais de cigarros, ou seja, incentivar as vendas do produto como forma de suplantar os problemas de auto-confiança. As campanhas continuam mostrando jovens em situações muito semelhantes, embora os cigarros tenham sido substituídos por copos, e tragadas por goles.







A regulamentação das propagandas de cerveja, mesmo que não nos mesmos moldes dos cigarros, deveria ser tratada como prioridade pela sociedade. Se deixarmos as grandes mentes do marketing associarem o consumo de bebidas alcoólicas ao sucesso e bem estar, como fazem as propagandas acima, conviveremos para sempre com acidentes no trânsito, brigas de torcida e discussões violentas.

Nada impedirá o menor de burlar a proibição de vendas, ou mesmo o maior em dirigir alcoolizado. A irresponsabilidade é típica da idade e os atos podem ser tão destrutivos como os dos adultos. Quem não lembra de algum famoso caso de acidente envolvendo menores alcoolizados?

Eu sou a favor de um controle mais rígido neste tipo de propaganda. Medidas simples, algumas adotadas ao tabaco, poderão diminuir o consumo indiscriminado e seus males, bem como o risco de acidentes:

- Restringir comerciais apenas a horários noturnos.
- Impedir que marcas de cerveja patrocinem eventos esportivos e culturais. Não é má idéia também impedir a venda durante estes eventos.
- Imprimir no rótulo da cerveja fotos de carros amassados ou outras cenas chocantes que mostrem o que o consumo pode causar.
- Obrigar que o tempo da citação "se beber não dirija" seja maior e mais clara.
- Aumentar o imposto sobre a cerveja para financiar campanhas que diminuam o consumo entre jovens, ou a direção defensiva.

Se não frearmos a propaganda, o consumo de cerveja será cada vez mais atrelado ao esporte, música e arte, ainda mais entranhado na sociedade em sua forma mais vil. Continuará usando a irresponsabilidade dos jovens para convencer que o consumo de bebidas é totalmente seguro, embora todos nós saibamos que não é.

Caso a sociedade não se convença em restringir a propaganda, novos jovens consumidores continuarão a entrar no mercado para o obter os "benefícios" alegados pelos comerciais. Será que algum destes pedirá a chave do carro ao pai para impressionar a namorada? Por quanto tempo continuaremos a deixar que o marketing incentive estes riscos?

terça-feira, 15 de abril de 2008

CEFET, a busca por educação de qualidade e quantidade.

Encontrei alguns dados bastante interessantes sobre o ENEM, o exame nacional do ensino médio. Nesta avaliação pode-se achar o CEFET, no qual eu trabalho como professor, entre as 20 melhores instituições de 2007 no município do Rio de Janeiro. Veja a lista: (completa no site do ENEM)


Um resultado, na minha opinião, muito bom. Apenas quatro destas 20 escolas são públicas, e dentre estas está o CEFET CELSO SUCKOW DA FONSECA, na honrosa 18ª posição.

Digo honrosa pois o CEFET não está ali para concorrer com as instituições privadas, que usam este resultado para angariar alunos e recursos. A posição é natural, sem pressões, muito mais difícil de obter.

Impressionante mesmo é a discrepância no número de alunos que fizeram o exame. O CEFET possui 271 formandos que participaram do ENEM, número bem superior à média das escolas privadas. Naturalmente é muito mais difícil aliar qualidade e quantidade, pois quanto menor o ambiente e maior a estrutura, menos mérito é necessário para se conseguir sucesso.

A maioria dos alunos do CEFET ainda cursam o ensino técnico concomitantemente ao ensino médio, tendo logicamente muito menos tempo para estudar. Muitos destes 271 alunos se formarão em Eletrônica, Eletrotécnica, Informática, Mecânica, Construção Civil, Turismo, Meteorologia e outros tantos cursos. Profissionais que chegam ao mercado muito mais cedo do que os do ensino superior, e com muita qualificação.

Gostaria de poder dizer que este mérito no ENEM é também meu, mas isso não seria possível. Primeiramente não sou professor do ensino médio, mas de Eletrônica, e isso obviamente não faz parte da prova. Em segundo lugar está o fato de que os alunos do CEFET são diferenciados, fazem um difícil concurso, certamente pertencem à uma elite intelectual invejável, que torna o processo pedagógico muito mais fácil.

Além disso, no CEFET não há pressão dos pais para aprovação daquele aluno problemático, problema tão freqüente nas instituições privadas. Os professores e alunos possuem liberdade para implementar suas idéias, sem a rígida disciplina dos colégios católicos presentes na lista. O ambiente é propício para o desenvolvimento de grandes mentes, não impõe uma cansativa e pouco edificante busca por resultados conforme os cursos pré-vestibulares, que também têm sua presença nos melhores do ENEM.

Falando assim, acho que a 18ª posição é até pouco, quem sabe um dia não estaremos no topo? Quem sabe não só este CEFET, mas muito outros que ainda estão sendo criados pelo governo Federal. Quem sabe um dia não poderemos aliar educação de qualidade e quantidade para todo o Brasil? Quem sabe?