sábado, 5 de fevereiro de 2011

Mas que merda, Sr. Professor! - História

ATENÇÃO! Este texto está escrito em formato de caricatura, ou seja, de forma exagerada e humorística. Apesar disso não se perde o principal objetivo: reclamar do horrível ensino que tive quando adolescente na década de 80. Vale lembrar que qualquer semelhança com a realidade deve, muito possivelmente, ser uma mera coincidência. Se você "ama" qualquer uma das disciplinas desta série de textos e não concorda com este blog sinta-se livre para comentar, ou então saia da internet e vá ler um livro!
Este é o segundo texto da série "mas que merda, Sr. Professor", leia aqui a introdução.

Começo com a disciplina mais fácil de ser criticada. Não havia nada certo no ensino de história do meu tempo de aluno e talvez pouco tenha mudado desde então.

No primeiro segmento do ensino fundamental, onde os alunos são bem menores, meus professores de história se punham a versar sobre o tempo do império e o descobrimento do Brasil. Compreende-se que a nossa história seja muito importante, mas precisávamos de anos inteiros para esta parte? À exceção do museu em Petrópolis e das águas de Caxambú, que influência a família real possui no Brasil de hoje? Nunca entendi esta fixação pela nossa monarquia.

Mas o primeiro segmento é muito curto e não possui professores específicos para cada matéria. O negócio deveria mesmo começar a esquentar no segundo segmento, a partir da antiga quinta série do primeiro grau. Parece até brincadeira, mas a disciplina de História volta a repetir toda aquela ladainha de Dom João e Dom Pedro. E o pior, com mais detalhes! Nos faziam decorar as capitanias hereditárias e o monte de bobagens sobre o dia do fico. Triste saber que tudo isso hoje está no google ao alcance de um clique de mouse e continua a não servir para nada.

Na sexta série, Dom Pedro II finalmente morria e podíamos aprender algo menos caquético. No entanto, os professores resolviam que este era o momento de ensinar algo sobre a história mundial. Nada mais sarcástico que perder bastante tempo ensinando tudo sobre os Incas, Maias, Astecas e o antigo Egito.

Com a relevância dos episódios de Chapolin Colorado, as antigas civilizações encheram quadros e cadernos e ocuparam muito da minha juventude. Para que uso isso hoje? Há alguma conexão que não consigo fazer entre as pirâmides e nosso sistema capitalista moderno? Pode ser, mas isso nunca foi o objetivo da disciplina, era apenas para encher seu saco.

Agora que nossa paciência já estava seriamente abalada, nada mais adequado do que finalizá-la completamente com a revolução Francesa.  Depois das histórias imperiais, nada mais deixa o professor de história tão contente como o desfiar dos detalhes da queda da Bastilha. A França é o único país estrangeiro, além dos EUA e do Egito, que ocupa fortemente nossa ementa de história. Deve ser porque os professores acham muito chique falar Francês! Liberté, Egalité, Fraternité, Mbappé!

Cerca de dez anos da história francesa rendem muito mais aulas que cem anos de nossa república. Não deveria ocupar mais de 15 minutos. Foi uma a revolta da burguesia contra a nobreza que inspirou outras revoluções e criou o princípio da cidadania. Não aconteceu no nosso país, não foi no nosso continente e nem no nosso século. Meu resumo de cerca de duas linhas é mais que adequado. C'est fini!

Já na sétima série passamos a falar sobre as grandes guerras, e o professor colocou no quadro os motivos pelos quais iniciou-se a primeira delas. A partir daí pude perceber o padrão de todas as provas de história. O professor fazia um resumo escrito contendo os motivos, características, razões de alguma coisa e perguntava na avaliação exatamente isso. O que qualquer aluno faria? Decoraria sem pensar e tiraria dez. Um exercício de memória tão relevante quanto saber de cor a programação do History Channel.

Nazismo, fascismo, comunismo, capitalismo e socialismo são temas importantes, mas o problema é que o professor se atém a descrevê-los como um papagaio que engoliu um documentário do Discovery. Por que não discutir o motivo que leva muitas pessoas a acreditar ainda hoje nestas ideologias? Ora, por que isso não fica bem em uma questão de prova...

E quando a história mundial se aproximava perigosamente dos dias atuais, e ousava servir para alguma coisa, o professor mudava de assunto e voltava ao Brasil do início do século. Que tal a gente falar sobre a proclamação da república e sobre um monte de ex-presidentes que já morreram?

Podia até ser mais interessante que antigo Egito e que o tempo de Dom Pedro, o problema é que agora piorava-se a feia mania de perder-se em datas, informações irrelevantes e históricos sem fim. Mais ainda se exauria o precioso tempo de adolescente com a política do café com leite, com os tempos antigos de Getúlio, com o ciclo da borracha, o coronelismo e finalmente as revoluções de 23 e 30. Qual o sentido em estudar isso sem ao menos conectar à nossa realidade? Não se preocupe filho, isso não cai na prova.

Quando o assunto começava a melhorar e chegávamos ao golpe de 64, aí acabava o tempo e eu estava formado. Que beleza, é época de comemorar! Não fazia a menor idéia em quem votar para presidente, não conheço os partidos políticos e sou um analfabeto ideológico. Nove anos de história jogadas no ralo!

Sempre achei que a disciplina devia ser ensinada de trás para frente, mas sugerir isso a um professor é xingar a mãe dele e todas as suas gerações. Deveria-se focar no que está acontecendo no momento, contextualizando a história do país naquilo que precisamos saber hoje. Como surgiu o partido do presidente? E o da oposição? Como surgiram nossas leis e a constituição? Quais as implicações disso tudo no nosso futuro?

Eventualmente deve-se cavar até a colonização portuguesa, ou ainda mais, para explicar tantas coisas. Mas o que acontece é bem diferente. Deixar os alunos sem noção do atual é o mesmo que ensinar a estória do Senhor dos Anéis e do Crepúsculo. Não serve para nada.

Tinha até esperança de que no segundo grau, atual ensino médio, as coisas melhorassem. Mas não foi isso que aconteceu. Como fiz curso técnico tive apenas um ano de história. Foi bom. Tive que aturar apenas mais dois semestres de estorinhas repetidas de quem já morreu há tempos, e hoje não passa de um nome de rua que a gente sempre esquece onde é.

A disciplina falha pois deveria dar capacidade de argumentação aos alunos. Os professores deveriam por seus pupilos para ler notícias e dar-lhes capacidade para criticar a imprensa. Deveriam explicar o pano de fundo histórico suficiente para entender o mundo à sua volta, deixando a cor da cueca de Dom João e os croissants de Antonieta para os aficcionados que farão falculdade disso.

Desconectado da realidade, o ensino de história fica preso a um sistema que perde-se em pormenores ridículos e não nos dá capacidade de entender nosso mundo. Esquece o atual e foca-se naquilo que hoje tem mínima importância. Resumindo, tudo que fui forçado a aprender para tirar A está hoje no wikipedia e mesmo que tivesse desaparecido não teria qualquer importância para a maioria das pessoas.

Mas que merda, Sr. Professor!