Minha sogra nunca teve confortável situação financeira. Divorciada e com dois filhos para criar, o dinheiro era contado e os supérfluos poucos e controlados.
Mas nada do que poderia ser considerado primordial deixou de ser comprado. Minha sogra é dessas pessoas que muito se esmeram no trabalho e nunca poupou esforços para que algo faltasse em casa e na educação dos filhos. Sem luxo, logicamente, dentro do possível.
Como então, na década de 80, poderia minha sogra, pessoa com poucas posses, possuir um telefone? Antes da privatização, comprar uma linha custava, no Rio de Janeiro, mais de R$5000. Muito dinheiro para a maioria da população naquela época.
Mas ter um telefone era muito importante. Fosse para receber ligações de trabalho, dos colegas de sala dos filhos ou emergências de qualquer natureza. A opção para as famílias que não tinham recursos à vista era entrar para o plano de expansão da antiga Telerj.
Este plano era um absurdo em relação ao código do consumidor, em vigor apenas a partir da década de 90. O cliente pagava uma parcela mensal alta, que hoje seria algo em torno de R$300, por mais de dois anos. Não recebia o telefone tão cedo, mesmo ao término do pagamento, pois a linha só seria instalada quando houvesse possibilidade técnica.
Na época das centrais telefônicas mecânicas estas possibilidades técnicas não eram muitas. Hoje uma operadora pode instalar mais de 1000 telefones sem se preocupar com custos adicionais. Sistemas de multiplex digital, disponíveis atualmente, podem colocar vários assinantes em apenas um par metálico. Naquela época, 1000 telefones necessitavam de novos equipamentos, quilômetros de cabos e investimentos.
Minha sogra então fez um esforço e como de costume pagou religiosamente todas as parcelas do plano de expansão. O telefone só seria instalado anos depois... Lógico que tudo isso valeu a pena, pois a casa poderia ter finalmente um telefone, tendo apenas que pagar a conta no fim do mês, o que não seria um problema.
No mundo das telecomunicações pré-privatização, depois de pagas as inúmeras parcelas para aquisição da linha telefônica, a conta mensal em si era bastante barata mesmo para as famílias de baixo poder aquisitivo. Com utilização controlada, o pagamento mensal não era muito maior que alguns reais. Com uma nota de R$5 dava para pagar e ainda tinha troco!
Com o modelo de privatização executado por FHC, cada empresa ficou com o monopólio de telefonia fixa em cada estado. Telerj passou a se chamar Telemar, e agora chama-se OI. A população estava para conhecer o monopólio privado, que se mostraria muito pior que o controle estatal.
Com a privatização, a conta de telefone, que antes não passava de R$5 em 1994, foi aumentando gradativamente, muito além da inflação, para algo em torno de R$60 agora em 2008. Diversas famílias não podem pagar esta quantia absurda apenas para ter um aparelho fixo funcionando em casa.
Dessa forma, houve um retrocesso no tempo. Está certo que podemos agora ter telefone muito rapidamente, em alguns dias. No entanto o valor mensal que é cobrado pela tecnologia ultrapassada é absurdo. Com uma conta de R$100, que não é nada de anormal nos dias de hoje, pagaremos, em cinco anos, o valor que o telefone custava na época das centrais mecânicas, e não teremos direito a contas baratas e nem mesmo a posse de ações da empresa.
Ficaremos eternamente no plano de expansão da Telerj e eles não precisam mais nos dar desculpas de impossibilidade técnica. A roubalheira foi legalizada, a privatização nos tornou ainda mais obsoletos do que éramos.
Mas voltando a minha sogra. Recentemente, por um erro que a operadora não admite, não corrige e não se importa, a conta da OI passou de R$100 reais! Por que ela deveria continuar a pagar por um serviço que usa basicamente apenas para receber chamadas? O celular também servirá a este propósito, e deve-se apenas colocar R$20 reais de crédito de 3 em 3 meses para não perder o número.
Então o antigo telefone do plano de expansão foi infelizmente cancelado, depois de tanto esforço. O problema não foi apenas a conta mensal, que está exorbitante em relação ao simplório serviço oferecido. O atendimento e a qualidade é tão ruim quanto na década de 80, ou ainda pior! Não se dá a mínima para o cliente, e isso tem fácil explicação.
Mesmo com preços altos, a OI atualmente é a mais barata operadora de telefonia fixa, ou seja, todas as outras são ainda piores. A privatização afastou o telefone das classes de renda mais baixa, piorou o atendimento e só não piorou totalmente o serviço pois a tecnologia tornou tudo mais simples e viável.
A classe A e B pode agora ter telefones ao estalar dos dedos. Pode ter internet banda larga, conta de celular integrada ao telefone fixo, identificador de chamadas, chamada em espera e outros serviços. No entanto, para a maioria da população, assim como minha sogra, o telefone fixo fica muito caro e distante.
Por um lado demos acesso rápido e fácil ao serviço de telefone fixo para as classes ricas, que no fundo quase não o usam, pois a maioria tem planos de celular com muitos minutos. Em contrapartida, classes com renda mais baixa não conseguem pagar a conta, e preferem ter um celular de cartão, usado apenas para receber ligações e fazer chamadas de emergência.
Onde está o telefone de tarifa popular que foi prometido? Onde está a Anatel que deveria regular estes absurdos? Temos que aproveitar a onda de estatizações provocada pela crise mundial e interferir na privatização absurda feita nas telecomunicações brasileiras. Temos que acabar com a telefonia fixa elitizada que faz com que a maioria da população more na década de 80 da telefonia, enquanto outras desfrutam da tecnologia.