quarta-feira, 30 de junho de 2010

A minha história das copas I

Copa do mundo é um momento mágico. Um instante quando você deixa de lado todos os seus afazeres, esquece da vida e passa a integrar uma seleção. A paixão nacional.

A copa é também uma ótima forma de contar a vida de uma pessoa. Quantas seleções você viu jogar, o que você estava fazendo na época, situações marcantes nos jogos. Para mim, houve grande influ aconteceu comigo.

Nas minhas oito copas de experiência pude tirar de cada uma alguma boa lembrança, algum ensinamento de vida. Algo mudou em cada um destes intensos instantes, em alegrias e tristezas, e nem sempre sobre futebol.

Nenhuma das copas que acompanhei foram apenas campeonatos sem importância. Houve mudança de comportamento e forma de pensar. Não estou certo de que há alguma influência de uma vitória ou derrota ou se é apenas coincidência. Mas é como se nossa história fosse um ciclo de quatro anos que eclodisse sempre no fatídico meio de ano, justo na hora em que a bola rola.

Vamos à elas, as copas das minha vida!

1978 - Se eu disser que 82 foi a primeira copa que vi, não estou tentando enganar minha idade. Não me lembro de nada de 78 pois tinha apenas dois anos. Esta história é curta, o Brasil não perdeu nenhum jogo mas acabou perdendo o caneco para a Argentina, que combinou o resultado com o Peru. Que maracutaia!


1982 - Ahhh, minha primeira copa! Tinha 6 anos e muitos problemas de saúde. Muito magro e fraco, acompanhei o campeonato entre idas e vindas ao hospital. Meu avô também enfrentava graves problemas de saúde e quase não viu os jogos, veio a falecer um ano depois.

Muita gente não tinha televisão nesta época, ou quando tinha não era colorida. Por causa disso os porteiros do meu prédio vieram assistir alguns jogos na minha casa. Na minha idade, era extremamente engraçado ouvir os comentários deles e do meu pai. Algo como fingir fazer parte da conversa de adulto. Eu não entendia muito sobre futebol, mas era suficiente para perceber que há mais paixão do que razão na maioria dos torcedores.

Meu único comentário durante a copa era reclamar quando o Falcão tocava na bola. Naquela época eu achava que branco não sabia jogar bola e ficava na seleção só atrapalhando. É que eu estudava em escola pública e aprendi desde cedo que branco de apartamento não tem habilidade nenhuma. Já os meninos negrinhos das comunidades em volta da escola driblavam como ninguém! Não há racismo na cabeça de uma criança de 6 anos.

Era o ano das anistias políticas e do início da abertura política com o presidente Figueiredo. Lógico que eu não entendia nada disso na época, mas consigo entender a esperança que o brasileiro possuía no país pós ditadura, e como foi difícil ver uma das melhores seleções de todos os tempos perder para a Itália nas quartas de final. Uma choradeira geral.

Acho que ficou a experiência de perceber que mesmo sendo o melhor, nem sempre se ganha. Algo que se aprende cedo na vida, graças à copa do mundo.


1986 - Talvez um dos melhores anos da minha vida. A economia do país andava de mal a pior, mas a esperança reacendeu nos corações brasileiros por causa do plano cruzado, iniciado neste fatídico ano pelo então presidente José Sarney.

O plano congelava todos os preços e acabava com a inflação. Todos os brasileiros fiscalizavam e reclamavam quando algum comerciante aumentava qualquer coisa. Havia um sentimento de união em torno do slogan "tem que dar certo" enunciado pelo presidente a todo momento.

Por causa da economia, ou melhor, da falta de dinheiro, eu e minha irmã voltamos à escola pública. Eu ia para a a terceira série do então chamado primário (atual quarta) e ela para a classe de alfabetização (atual primeira série).

Este talvez tenha sido o ano em que eu me tornei estudioso. Tudo que se ensinava na escola pública eu já tinha dado nas séries anteriores da particular, e quando a matéria tornou-se nova eu passei a me esforçar. Tinha tomado gosto pelas notas altas e pelos professores que me diziam que eu era "inteligente".

A copa pegou carona no plano cruzado, no movimento das diretas-já e no início do processo constituinte que terminaria em 88. Por isso, esta tenha sido uma das mais celebradas seleções de todos os tempos. Junior, Sócrates, Casagrande e Zico eram heróis nacionais, mesmo antes da copa.


Mas a história todo mundo conhece. O Brasil perdeu para a França nos pênaltis graças a um futebol de defesa, força e um pouco de sorte. Foi o fim do jogo bonito e terminou por enterrar a esperança brasileira em um país melhor. O plano cruzado mostrou-se incapaz de segurar a inflação naquele ano mesmo, tornando o arroxo salarial e o desemprego ainda mais pronunciados a partir dali, até quase o fim da década de 90.

Um dos momentos mais marcantes da copa foi o penalty perdido por Zico. Machucado durante quase toda a copa, Zico entra no segundo tempo do jogo contra a França e passa para Branco que sofre falta dentro da área. Quase no final do jogo, o brasil teria a chance de desempatar e ganhar. Cento e quarenta milhões de brasileiros cobraram a penalidade junto com Zico, e assim como nossos planos econômicos, não deu certo.

Tamanho foi o desapontamento com a derrota da seleção, que no outro dia, na escola, houve uma grande briga entre os alunos. Ninguém foi punido e todo mundo voltou para casa. Dizia-se que os ânimos estavam assim por causa da seleção, não era culpa dos alunos.

Terminou-se a era Zico e com ela ficou na memória que a idéia de nem sempre uma grande estrela poderia resolver tudo. Naquela época eu fiquei muito desapontado com o meu ídolo, mas hoje compreendo que não se pode colocar nos pés de um só jogador a esperança de todo um país.

A copa de 86 só valeu pelas jogadas do Maradona, que acabou levando a Argentina ao seu segundo título mundial. Os dez anos, a partir dessa copa, que tivemos que enfrentar de crises, pacotes econômicos e desemprego foram muito duros aos brasileiros, ainda pior que o gol de Platini e do penalty perdido de Zico.

1990 - Se em 86 o negócio estava feio para o Brasil, em 90 ficou ainda pior. Collor tinha acabado de ser eleito e tomou todo o dinheiro da poupança de grande parte da classe média. E economia ia de mal a pior mas ainda havia a esperança na seleção. Péssima idéia.

Careca, Jorginho, Dunga, Muller e até Romário faziam parte do selecionado brasileiro. Não há muito o que dizer sobre a copa de 90 pois o Brasil foi eliminado pela argentina nas oitavas. Jogou apenas 4 jogos e ganhou 3 por apenas um gol de diferença, para seleções muito mais fracas.

Esta copa foi a pá de cal no país do futuro, tanto no futebol como na economia. As experiências nestas duas áreas desde o início da década de 80 tinham sido as piores possíveis, e agora ninguém achava que ia melhorar. A copa terminou com esperança de um país melhor, e nós não nos recuperamos completamente desta maldita época até hoje.

A falta de gols e o insucesso frente às primeiras grandes dificuldades apareciam em todas as três seleções da década de 80. Eram um espelho, não por acaso, da miséria, desorganização e do desemprego que assolava o Brasil.


A década passou com os lamentos do nosso esporte e da nossa economia. Até na música podia se perceber o pessimismo de um povo que talvez depositasse na seleção muito mais do que poderia trazer com a conquista da taça. Veja alguns versos de músicas que escutávamos nesta época:



Vamos sair!
Mas estamos sem dinheiro
Os meus amigos todos
Estão, procurando emprego...

Voltamos a viver
Como a dez anos atrás
E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas...

Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia


Na minha vida, o final da década de 90 não foi assim tão ruim. Desligado dos problemas econômicos, alienado como qualquer menino classe média de 13 anos, esta época foi muito divertida com muitos amigos, videogames e poucas responsabilidades. Estava na sétima série e ainda ia levar tempo para eu ter que me preocupar com escolher profissão ou arrumar emprego.


Espere que ainda tem mais! A copa de 94, 98, 2002, 2006 e a atual 2010! Aguardem os próximos posts!